domingo, 12 de dezembro de 2010

Artigo sobre a mediação de leitura

A SEGUÊNCIA DIDÁTICA APLICADA À LEITURA: OS EXPLÍCITOS, OS IMPLÍCITOS E A MEDIAÇÃO DO PROFESSOR

Ana Aparecida Vieira de Moura (IFRR)

Luzineth Rodrigues Martins (UnB/UERR)

Maria do Rosário Rocha Caxangá (UnB/SEE-DF)

Resumo

Este artigo tem como objetivo discutir o processo de ensino da leitura em uma perspectiva sociointeracionista, tendo como referência o Projeto “Leitura Mediação Pedagógica” (2009), coordenado pela professora Stella Maris Bortoni-Ricardo, pesquisadora da UnB/CNPq. Para tanto, defende-se uma proposta de trabalho em que o professor, como mediador desse processo, tenha conhecimento das estratégias sociocognitivas realizadas pelo aluno e das estratégias de mediação que ampliam a compreensão leitora. Em seguida, apresenta-se uma sequência didática aplicada à leitura como um auxílio metodológico de mediação para professores de todas as áreas, considerando essa atividade como instrumento de aprendizagem tanto de um determinado conhecimento quanto do próprio ato de ler.

Palavras-chave: Sequência Didática, Leitura, Mediação.

Introdução

A leitura é tema recorrente em contextos que demandam a construção de novos conceitos, por isso requer uma participação ativa dos sujeitos na vida social, considerando que vivemos em uma sociedade letrada e necessitamos a todo o momento de informações que nos ajudem a desempenhar bem nossas atividades. E a escola como instância legitimadora de promoção do desenvolvimento deste ensino com vistas à inserção do indivíduo na sociedade atual, tem encontrado dificuldades em assumir a leitura como uma atividade de primeira ordem na dinâmica do ensino, visto que esta prática exige do professor não somente atuação mais eficaz em sala de aula, mas conhecimento sistematizado de um conjunto de fundamentos que constituem a prática pedagógica do ensino da leitura, isto é, procedimentos didáticos e metodológicos que se harmonizem em prol do desenvolvimento da leitura, delimitando assim o papel do professor como o de mediador dessa prática

O presente trabalho objetiva refletir a prática pedagógica do ensino da leitura na sala de aula. Tem como ponto de partida o Projeto “Leitura Mediação Pedagógica” (2009), coordenado pela professora Stella Maris Bortoni-Ricardo, pesquisadora da UnB/CNPq, cuja metodologia adotada é dos Protocolos Interacionais (Bortoni-Ricardo et alli, 2010) e a partir deles se faz uma reflexão dos procedimentos didáticos e aspectos instrucionais que o professor necessita dominar ao adotar a mediação para o desenvolvimento das habilidades necessárias a compreensão leitora dos alunos.

Estabelecemos como parâmetro o desenvolvimento da leitura de textos de conhecimentos enciclopédicos com vistas a aprender novos conhecimentos a partir dos textos do Livro Didático, pois o Projeto de Mediação da Leitura tem como perfil o aluno da educação básica com experiência de letramento predominantemente oral, daí realizar uma sequência didática que favoreça o trabalho do professor com este perfil de aluno. Sabe-se que o livro didático, muitas vezes, é a única via de acesso aos conhecimentos historicamente construídos. Com essa ação, defendemos que todo professor deve atuar como mediador de leitura, haja vista os alunos desenvolverem habilidades cognitivas de leitura e tornarem-se autônomos no ato de ler para aprender

1. Leitura: uma questão de ação e concepção.

Há diferentes formas de compreender o ato de ler. Kleimam (2004) afirma que a partir da década de 1970, o modelo de leitura amplia a participação do leitor, uma vez que o diferencia do leitor na perspectiva do Beharviorismo, cujo perfil consistia em processar o material gráfico verbal à medida que ia sendo lido, da sílaba à palavra, da palavra ao grupo de palavras etc. O modelo de leitor que surge a partir da segunda década de 70 tem como vertente teórica a abordagem psicossocial da Linguística Textual. Neste momento, coincidem os estudos da leitura e os estudos sobre o texto.

Para Kleiman, a ruptura efetiva sobre o perfil do leitor e, por conseguinte, na atividade de leitura, aconteceu a partir da década de 90, com a emergência dos estudos do letramento, que passaram a subsidiar teoricamente a pesquisa sobre a leitura na Linguística Aplicada. Nesse modelo, o trabalho com a leitura considera-a como prática social e pressupõe o desenvolvimento de capacidades no leitor que o possibilite a interagir com diferentes gêneros textuais, contínuos e não-contínuos, pertencentes a múltiplos domínios discursivos e o torne capaz de usar a leitura como instrumento para continuar aprendendo. Considera-se, portanto, nesse modelo, um leitor situado histórico e socialmente. Neste sentido, a leitura passou de uma atividade meramente de decodificação, ou centrada unicamente no leitor, para uma atividade de compreensão, envolvendo texto, autor, leitor. É esta concepção de leitura tomada neste trabalho que, segundo Kleiman (2004), é vista como prática social e predomina nos estudos da Linguística Aplicada, fortemente subsidiada pelos estudos do letramento. Nessa concepção, a interação entre o aluno e o professor, no momento da leitura, é crucial porque é essa ação que possibilita ao aluno entender não só o que está na superfície do texto, mas também o implícito.

A ação de leitura do texto e das relações que o permeiam é ao mesmo tempo uma ação de leitura do mundo pelo texto, porque na produção textual estão embutidas as marcas do sujeito produtor e de sua relação com o mundo, por isso a negação de que a leitura seja uma ação individual e sim uma tríade autor-texto-leitor (KOCH, 2009). Essa visão passa a ser ampliada com a ação mediadora do professor, diante da leitura do aluno. Ele (o professor) se insere como mais um elemento do processo de leitura, representado assim: autor-texto-mediador-leitor. Embora, para efeito didático, os elementos estejam organizados dessa forma, não pressupõe uma interação linear. Entretanto para o professor tornar-se sujeito ativo e colaborador no processo do desenvolvimento da leitura do aluno e contribuir para estreitar o grande hiato existente entre a realidade do aluno de repertório predominantemente oral e o livro didático instrumento portador do conhecimento científico é preciso estar disposto e imbuído deste papel que requer fundamentos teóricos estruturantes para tomada de decisões estratégicas e imprescindíveis ao desenvolvimento do sujeito leitor.

O professor, na verdade, precisa compreender as possibilidades e caminhos de diferentes métodos e materiais, conhecer o leitor em desenvolvimento, o que já foi superado e o que necessita superar, além de compreender como o leitor deve aprender a ler, caso contrário, ele ou ela não poderá tomar decisões sobre métodos ou estratégias que deve usar.

2. Leitura, Mediação e Sequência Didática: Onde e como se encontram?

A leitura, comprovadamente, não é uma das operações cognitivas mais simples de fazer, pois consiste em um conjunto de habilidades desde a motora até as mais complexas cognitivas, i.e, para Fernández (1992) o ato de ler parte desde as ações oculares, compreendendo o domínio do léxico, as estruturas sintáticas gerais da língua, e principalmente os objetivos de leitura a serem alcançados, entre outras.

Uma postura mais ativa do professor em relação ao ensino da leitura exige conhecimentos e procedimentos didáticos que se harmonizem em prol do desenvolvimento da leitura, delimitando assim o seu papel como o de mediador dessa prática. E essa mediação exige grande interação com o aluno e o texto.

Inicialmente, segundo Bortoni-Ricardo (2003), o termo mediação adveio da Psicologia de Vygotsky (1998) sobre a zona de desenvolvimento real e proximal tendo nos signos o principal mediador para o desenvolvimento das funções superiores. Pimentel (2007) acrescenta que esse processo de fornecimento de ajuda contribui para a reestruturação das funções psíquicas que constituem o processo de aprendizagem, favorecendo o acesso a um nível superior de desenvolvimento cognitivo.

Ainda para tratar da ação do professor na promoção do desenvolvimento da leitura, Bortoni-Ricardo, Machado e Castanheira (2010) referem-se à leitura tutorial como aquela em que o professor assume a condição de mediador fazendo as intervenções necessárias para que o aluno atinja a compreensão leitora. Seja como for, é consenso na posição desses autores o fato de que a ação do professor é indispensável na promoção do desenvolvimento da compreensão leitora.

É então sobre a ação do professor diante da leitura, que se apresenta a Sequência Didática, termo conhecido principalmente no âmbito da pedagogia. Segundo Zabala (1998) Sequência Didática é considerada um modelo para subsidiar a análise da prática pedagógica do professor com respeito aos procedimentos de ensino referentes a conteúdos conceituais, procedimentais e atitudinais, vista como uma metodologia articulada das atividades do ensino. Scheneuly e Dozl (2004) utilizam o mesmo termo (Sequência Didática) referindo-se a “conjunto de atividades escolares organizado de maneira sistemática em torno de um gênero textual oral e escrito”. Vê-se que a proposta dos autores citados tem em comum o princípio de sistematização da atividade pedagógica. É esse princípio que está sendo adotado aqui como proposta para o ensino da leitura.. Portanto, essa proposta didática de trabalho com a leitura toma como referência, além dos procedimentos sequenciais para o ensino defendido por Zabala (1998), a metodologia de trabalho com o gênero, apoiada nos estudos do grupo de pesquisa em Didática da Língua da Universidade de Genebra e que se refere ao procedimento sequência didática (SD) sugeridos por (SCHNEUWLY; DOLZ, 2004).

3-Os conhecimentos necessários à mediação da leitura

Ao pensar na leitura no contexto escolar e nas possibilidades de desenvolvimento das habilidades constituintes da compreensão leitora é necessário que a escola mude o foco atual referente ao ato de ler. Assumir a leitura como uma atividade em que alunos e professores passam a ser sujeitos ativos e colaborativos, implica novos procedimentos e comportamentos realizados por estes sujeitos, a saber:

3.1. Compreensão da leitura enquanto prática social possibilita ao sujeito desenvolver-se melhor e situar-se socialmente, conforme as circunstâncias lhe exigem. Neste sentido, não dá para ater-se, unicamente, na macroestrutura do texto, sem considerar o seu conteúdo e a produção de inferências geradas a partir da interação do leitor com os demais leitores, além do professor mediador.

3.2 Concepção da linguagem enquanto processo de interação: concebe a língua como um processo de interação humana em um dado contexto sócio-histórico e ideológico, em que o indivíduo realiza ações por meio da linguagem, agindo e atuando sobre o interlocutor. Tal concepção reconhece um sujeito ativo em sua produção lingüística, que realiza um trabalho resultado da exploração, dos recursos formais e expressivos que a língua coloca à disposição do falante. Nesta perspectiva não se concebe a língua como um sistema fechado e, portanto, o trabalho pedagógico visa possibilitar aos alunos o contato com diversos textos/contextos em que a linguagem se faz necessário, para que o aluno aprenda a adequá-la às diversas situações que encontra em seu dia-a-dia. Em decorrência desse trabalho, aparece nos textos a heterogeneidade de vozes, que não reproduzem simplesmente a palavra dita pela escola ou as palavras alheias, mas a palavra do próprio aluno. O papel do professor é ser um interlocutor, encarando o aluno como sujeito de seu discurso, questionando, sugerindo, provocando reações, exigindo explicações sobre as informações ausentes no texto, refutando, polemizando, concordando e negociando sentidos mediante as pistas deixadas no texto. Tudo isso, para que o texto alcance o efeito de sentido proposto pelo autor. O texto não é visto como um produto, mas como um processo, como um trabalho que deve ser explorado, valorizado e vinculado aos usos sociais, isto é, segundo Mascuschi (2008) como um evento comunicativo em que convergem ações linguísticas, sociais e cognitivas.

3.3 O gênero textual e sua finalidade. Sabe-se que são múltiplos objetivos destinados a leitura que o leitor pode propor-se no ato de ler, como por exemplo: obter a idéia principal, anotar informações específicas, tomar nota e recordar instruções precisas, prever a continuação ou a conclusão de um texto, avaliar o material, reproduzi-lo em forma de resumo, comparar com outro texto ou simplesmente estudá-lo, ou ainda entreter-se com ele. É o refinamento destes objetivos que condiciona o processo de compreensão do leitor em níveis mais profundos, pois será em consonância com estes objetivos que o sujeito adaptará suas ações de leitura (FERNÁNDEZ, 1992). Para este autor, apesar dos avanços dos estudos sobre os objetivos de leitura, os que recebem maior atenção das investigações são a localização de informação e a leitura compreensiva para recordar. Neste caso, o professor mediador objetiva desenvolver a compreensão leitora de seus alunos para que a partir desse processo, eles possam chegar à produção de um novo texto, tendo como referencial para esta nova produção, a leitura realizada. Como procedimento de mediação da leitura desse gênero, o professor necessitará fazer a exploração das dimensões presentes no texto: o cotexto, o contexto, o infratexto e o intertexto.

O cotexto compreende os elementos linguísticos e a estrutura que definem a materialidade do próprio texto. É essa dimensão que caracteriza as escolhas gramaticais e lexicais que remete o leitor a compreensão das intenções do autor. O contexto, segundo Koch, “é um conjunto de suposições, baseadas nos saberes dos interlocutores, mobilizadas para a interpretação de um texto”. Para que haja compreensão do texto, é necessário que autor e leitor compartilhem, pelos menos parcialmente, conhecimentos, tais como: enciclopédico, sociointeracional, textual, entre outros. Já o infratexto diz respeito ao processo de inferência, que, segundo Marcuschi (2008) corresponde a geração semântica de novas informações a partir daquelas que já possuímos em um dado contexto. A noção de inferência é fundamental na compreensão leitora, considerando que ela permite ao leitor ampliar o seu conhecimento sobre o objeto de leitura de que trata o texto. O intertexto corresponde ao pressuposto de que todo texto é resultado de confluência de outros textos.

3.4 Estratégias Sociocognitivas: apontadas por Koch (2009), para quem a estratégia é definida como “uma instrução global para cada escolha a ser feita no curso da ação” (KOCH, 2002: 50). Assim as estratégias que o sujeito mobiliza, no ato da leitura, para realização do processamento textual, envolvem três grandes sistemas de conhecimentos: o conhecimento lingüístico, o conhecimento enciclopédico e o conhecimento interacional. O conhecimento enciclopédico corresponde ao capital cultural do sujeito, ao conhecimento prévio do leitor sobre o que lê, enquanto que o conhecimento lingüístico refere-se ao que se conhece a cerca da gramática, do léxico, dos meios coesivos que são importantes para o entendimento do texto. Já o conhecimento interacional envolve as formas como este sujeito interage por meio da linguagem. Diz respeito ao seu conhecimento sobre as diversas formas de interação mediadas pela linguagem.

3.5. Organização didática: O trabalho com a leitura na sala de aula pressupõe estratégias didáticas consonantes à perspectiva teórica adotada pelo professor. No cotidiano da sala de aula surgem as mais diversas situações que possibilitam o desenvolvimento de um diálogo pedagógico com a finalidade de ensinar e aprender (FREIRE, 1996). Assim sendo, o professor deve ter consciência de suas escolhas pedagógicas, visando facilitar a articulação dos conhecimentos citados anteriormente para a construção do conhecimento.

3.5.1 Estratégias de Leitura: Solé (1998, p. 69) defende o ensino como condição para o ato de leitura e o uso de estratégias didáticas como procedimentos de caráter elevado, os quais envolvem a presença de objetivos a serem realizados e o planejamento das ações que são desencadeadas para atingi-los, assim como sua avaliação e possível mudança. Segundo a autora, “Se as estratégias de leitura são procedimentos e os procedimentos são conteúdos de ensino, então é preciso ensinar estratégias para a compreensão dos textos”.

3.5.2 Estratégias Metacognitivas: Flavell e Wellman apud Fernández (1992) definem a metacognição como sendo o conhecimento que o sujeito tem sobre seu próprio conhecimento, ou seja, o conhecimento dos próprios processos e produtos cognitivos. Para os autores, a metacognição envolve a sensibilidade para adequar a estratégia cognitiva à exigência da tarefa, o conhecimento sobre as características pessoais do aprendiz e sobre a tarefa proposta e o controle sobre essas habilidades. Para ter controle e domínio de sua aprendizagem o aluno tem que aprender a fazê-lo: aprender a estudar, a selecionar informações, elaborar fichas de estudos, fichas de acompanhamento de objetivos, entre outros são estratégias de metacognição indispensáveis para tornar o aluno autônomo.

3.5.3 Estratégias de Mediação: A mediação do professor consiste em ajudar o aluno a estabelecer as relações entre o texto e seu conhecimento de mundo; a reconhecer os elementos linguísticos; a perceber a progressão temática, por meio de elementos sequenciadores, a desenvolver a metacognição, ou seja, controle sobre as informações já obtidas com a leitura do texto, sinalizando, quando necessário, pontos de inferências. Essa ação ajuda o aluno a buscar, em seu conhecimento de mundo, referências que permitam estabelecer a conexão entre o que é dito e o que ele já conhece sobre o que foi dito. Um pouco mais além, a percepção da intertextualidade: o diálogo do texto com outros textos, que pode estar claro ou nas entrelinhas. A compreensão do aluno mantém relação estreita com a capacidade de perceber esses outros textos e para tanto, a medição do professor é fundamental, pois “quanto mais conhecimento textual o leitor tiver, quanto maior a sua exposição a todo tipo de texto, mais fácil será sua compreensão” (KLEIMAN, 2004a). É preciso entender que o centro do processo de ensino é a aprendizagem, e para tanto se deve planejar de forma organizada os eventos de aprendizagem, neste caso o desenvolvimento da compreensão leitora, lançando mão de estratégias mediacionais e recursos dialógicos para este fim. Um dos principais recursos é usar a pergunta como instrumento viabilizador do desenvolvimento da compreensão leitora. Pensar em o que perguntar e em como perguntar ajuda o aluno a construir hipóteses sobre determinado conceito ou tema, além de organizar argumentos necessários para convencer o interlocutor sobre seu ponto de vista. Assim sendo, perguntas abertas são mais eficazes que as ditas perguntas “retóricas”, pois possibilita o aluno a elaborar uma resposta consistente, enquanto que a outra quando muito espera uma resposta é um sim ou um não.

4. A proposta da Sequência Didática aplicada à Leitura

A proposta a seguir configura-se como uma organização do trabalho com a leitura de textos didáticos, ou seja, da leitura para aquisição de conhecimento, com a aplicação dos princípios da sequência didática, vista como um conjunto de estratégias e procedimentos organizados, de maneira sistemática, em torno de um texto informativo. Visa proporcionar aos professores um referencial metodológico para a mediação da leitura, especialmente de livros didáticos, com a finalidade de ajudá-lo a desenvolver a compreensão leitora de seus alunos para que a partir desse processo, eles possam chegar à produção de um novo texto, tendo como referencial para esta nova produção, a leitura realizada.

Será, pois, um auxílio metodológico de mediação da leitura para os professores de todas as áreas, para quem a leitura deve ser assumida como um instrumento de aprendizagem em suas disciplinas. Defende-e aqui, que a leitura é compromisso de todas as áreas, por isso os professores precisam conhecer uma sistematização para que possam percebê-la como instrumento de aprendizagem, tanto do ato de ler quanto de apropriação de conhecimentos específicos. Considera-se como ponto de partida para a sistematização da proposta as dimensões do texto (o texto, o co-texto, o contexto, o infratexto e o intertexto) e o resultado da leitura desse texto.

Sequência Didática Aplicada à Leitura

O cotexto

· Antes de iniciar a leitura do texto, é importante que o professor oriente o aluno a fazer uma leitura silenciosa para avaliar o nível de dificuldade do texto. Em seguida discuta a técnica de leitura adequada ao objetivo do texto: sublinhar as informações importantes, anotar as palavras desconhecidas.

Ajudar o aluno a:

· Reconhecer o gênero do texto, a organização estrutural do texto, para que ele aprenda a perceber o objetivo da leitura;

· Identificar o objetivo da leitura e a persegui-lo durante a leitura;

· Acionar os conhecimentos prévios; enciclopédicos, conhecimento lingüístico, conhecimento interacional, por meio de perguntas direcionadas estabelecendo previsões sobre o texto; explorando o tema, a área abrangente;

· Localizar informações explícitas no texto e a inferir o sentido de uma palavra ou expressão;

· Expor o que já sabe sobre o tema

· Prestar atenção a determinados aspectos do texto que podem ativar seu conhecimento prévio;

· Levantar hipóteses sobre alguns aspectos do texto;

· Perceber as relações de hierarquia das informações nos parágrafos: ideias central e secundárias;

· Perceber a linearidade do texto; a progressão das informações e da distribuição nos parágrafos e a identificar dos elementos gramaticais que colaboram na construção da progressão do texto;

· Estabelecer relações lógico-discursivas marcadas por sequencializadores.

· Distinguir um fato da opinião relativa a esse fato;

· Utilizar os recursos multimodais apresentados no texto (tabelas, gráficos, figuras etc) como elementos que ajudam na construção de sentido do texto.

· Identificar o efeito de sentido decorrente do uso da pontuação e de outras notações;

· Identificar as marcas lingüísticas que evidenciam o locutor e interlocutor de um texto.

· Desenvolver determinadas habilidades necessárias à compreensão leitora, dentre elas: a relação, a analogia, a síntese, classificação, a ordenação hierárquica, a descoberta da coerência global do texto, a comparação e a avaliação;

· Buscar as relações existentes nas informações presentes no texto: principalmente as de causa e consequência.

· Avaliar o seu nível de metacognição, identificando as informações novas aprendidas com a leitura do texto.

O contexto

Ajudar o aluno a:

· Perceber a função social do texto;

· Reconhecer autor, a intenção, o interlocutor, o suporte, a situação de produção (época, local, fatos relacionados)

· Estabelecer uma relação de sentidos entre o texto e a experiência (universo comunicacional do aluno) procurando torná-lo mais real possível

· Fazer a relação entre as informações do texto e o conhecimento já consolidado (o texto e a experiência)

· Reconhecer diferentes formas de tratar uma informação na comparação de textos que tratam do mesmo tema, em função das condições em que ele foi produzido e que será recebido;

O infratexto

Ajudar o aluno a:

· Perceber o implícito no texto, acionando os conhecimentos culturais para que ele perceba a diferença entre real e ficcional;

· Relacionar o conteúdo do texto com sua realidade;

· Fazer as inferências a partir das pistas oferecidas pelo autor: as analogias que se pode fazer.

O intertexto

Ajudar o aluno a:

· Buscar outros textos que tratam sobre o mesmo tema;

· Perceber diferentes formas da intertextualidade: elementos no texto que remetem a outros textos;

· Analisar paráfrases e paródias em diferentes situações;

O registro da leitura

Ajudar o aluno a:

· Retomar as aprendizagens construídas a partir da leitura do texto de modo a ampliar sua visão de mundo

· Retomar de forma sintética as informações contidas no texto, para que o aluno reelabore o texto sem que se sinta incapaz de fazê-lo.

· Sistematizar em forma de resumo as informações principais do texto, para que ele desenvolva as habilidades de compreender, distinguir, hierarquizar, questionar, descobrir a estrutura textual e outras, além da capacidade de organização da escrita. Esse momento gera também a oportunidade de refletir sobre a leitura realizada. Pode ocorrer através das seguintes possibilidades: atividades orientadas para a compreensão do texto (perguntas); resumo do texto; mapa conceitual.


Considerações finais

Todo o trabalho com a leitura demonstra que somente a teoria não dá conta da complexidade da atividade, é necessário assumir o lado humano da prática de ensino, tendo em vista a formação do aluno na perspectiva da interação. O desenvolvimento da sequência didática é um recurso que organiza o trabalho do professor. Infelizmente o tempo dedicado á leitura em sala de aula nas séries ainda é muito negligenciado.

Além do já exposto sobre os benefícios do trabalho com a sequência didática aplicada à leitura, acrescenta-se o positivo espaço dado a oralidade tão reivindicado pelos alunos, resultando em uma interação promovida pelo diálogo inerente a leitura.

O trabalho com a sequência didática de leitura ora proposta traz alguns benefícios já detectados como:

ü no desenvolvimento da autonomia e independência do aluno para o ato de leitura, considerando que ao dar continuidade das ações desenvolvidas durante o processo de leitura, ele apropria-se de estratégias de leitura metacognitivas e desenvolve habilidades inerentes à realização do ato de ler.

ü No processo de síntese do texto, o aluno reorganiza as informações abstraídas do texto e reelabora as ideias contidas nele, demonstrando o seu processo de compreensão leitora.

ü Espaço propício ao desenvolvimento das práticas de oralidade;

ü Finalmente, destaca-se o produto da ação eficaz do professor como agente mediador da leitura. Foi perceptível o aprendizado dos alunos, colaboradores do Projeto.


Referências Bibliográficas

BORTONI-RICARDO, Stella Maris, MACHADO, Veruska Ribeiro, CASTANHEIRA, Salete Flores. Formação do professor como agente letrador. São Paulo: Contexto,2010

__________________; FERNANDES DE SOUSA. Maria Alice. Andaimes e pistas de contextualização: um estudo do processo interacional em uma sala de alfabetização. Disponível em: http://www.stellabortoni.com.br/docs/f96BORTONIandaimes.doc. Acesso em: 21-09-2009

BROWN. A.L., DAY, J.D. Developmental trends in the use of summarization rules. Ponencia presentada em el congresso de American Educational Research Association. Boston 1980 , n 40

BRUNER, Jerome. Child’s talk: learning to use language. New York: W. W. Norton, 1983.

FERNÁNDEZ, Antônio González. Estrategias metacognitivas en la lectura. Tesis Doctoral de La Facultad de Psicologia, Universidad Complutense de Madrid, 1992.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996 (Coleção Leitura).

GUMPERZ, John J. Discourse stratedies. Cambridge: Cambridge University Press, 1982.

KINTSCH, W., VAN DIJK, T. A. Toward a model of text comprehension and Production. Psychology Review, 1978.

KLEIMAN, Ângela. Abordagens da leitura. Scripta Belo Horizonte, vol.7, no 14, PP, 13-22.

KOCH Ingedore Villaça, ELIAS Vanda Maria. Ler e compreende: os sentidos do texto. São Paulo: Contexto, 2009.

MARCUSCHI Luiz Antônio. Produção textual, análise de gêneros e compreensão. São Paulo: Parábola Editorial, 2008.

OLIVEIRA, Edilson Moreira de; ALMEIDA, José Luis Vieira de & ARNONI, Maria Eliza Brefere: Mediação dialética na educação escolar: teoria e prática. São Paulo: Edições Loyola, 2007.

PIMENTEL, Susana Couto. Mediação para compreensão leitora: uma estratégia didática. In Sitientibus, Feira de Santana, n.37, p.151-171, jul./dez. 2007

SCHENEUWLY, B; DOLZ, J. Gêneros orais e escritos na escola. Trad. e org. Roxane Rojo e Gláis Sales Cordeiro. Campinas, SP: Mercado das Letras, 2004.

SOARES, Magda. Linguagem e Escola – Uma Perspectiva Social. São Paulo: Ática,1995.

SOLÉ, Isabel. Estratégias de leitura. Trad. Cláudia Schilling. 6ª Ed. Porto Alegra: Artmed,1998

VAN DIJK, T. A. La ciencia del texto. Barcelona: Paidós, 1983.

VAN DIJK, T. A.. Cognição, discurso e interação. São Paulo: Contexto, 1999.

ZABALA, Antonio. A prática educativa: como ensinar. Porto Alegre: Artimed, 1998.

quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

Semana que vem estaremos aí no Maranhão!!!!

Olá caras professoras e professores do Maranhão,

Semana que vem temos o nosso encontro final, o Seminário de Avaliação. Estão todos preparados?!
Espero que sim!!!

Abraços!
Tatiana, Vanessa e Luzineth

quinta-feira, 11 de novembro de 2010

Programa instala biblioteca em comunidade quilombola | Língua Portuguesa | Nova Escola

Pessoal!

Vejam a Arca das Letras no interior do Pará!
É o livro chegando a quem nunca teve acesso a ele!
Maravilha, não é mesmo?!
E eu fico toda orgulhosa de trabalhar nesse Programa!
Abraço para todos!

Programa instala biblioteca em comunidade quilombola Língua Portuguesa Nova Escola

quinta-feira, 21 de outubro de 2010

O prazo para entrega dos trabalhos está chegando ao fim...

Olá pessoal!

Aqui, na capital federal, o calor está intenso! Em todos os sentidos: chove mas continuamos suando a camisa, as eleições estão esquentando o clima e o treco está "pegando" com a greve do metrô!

E, para vocês aí de cima? Tudo bem? Espero que sim!

E a mensagem aqui é só para lembrar a tod@s: os trabalhos devem ser entregues até o dia 31 de outubro!

Eu já recebi alguns e quem ainda não enviou, vamos lá! A hora é essa!

Abraços e bom trabalho para tod@s!

Professora Tatiana

sexta-feira, 8 de outubro de 2010

Orientações para o Seminário

Olá pessoal!

Hoje concluímos mais um encontro presencial. E agora, vocês vão colocar em prática o que estudamos nesses três dias de formação.

Conforme combinamos, apresentamos aqui as orientações para o Seminário de Avaliação.

O seminário visa à socialização dos trabalhos que contemplem os temas e as práticas desenvolvidas durante o curso. Terá a seguinte organização:

• Dia 16/12- Socialização dos trabalhos entre professor formador e seus respectivos tutores e avaliação pelo professor formador;

• Dia 17/12 – Socialização dos trabalhos entre todos os formadores e tutores. A seleção dos que serão apresentados neste dia será feita pelo professor formador e sua turma.

9h-12h: Apresentações
12h-13h- Almoço
13h-16h: Apresentações
16h-17h: Encerramento

Orientações para Seminário

Professor tutor, selecione uma atividade aplicada na sala de aula por um(a) professor(a) cursista que foi orientada por você durante a formação. Esta atividade deverá ser apresentada em duas modalidades: oral e escrita.

I. Modalidade Oral

Para apresentá-la no dia 16 de dezembro, você pode preparar slides para o data show, banners ou cartazes em papel branco 40.

As informações a serem apresentadas devem seguir o roteiro abaixo, de modo a descrever todo o processo:

a. Contexto - o contexto em que ocorreu essa atividade (série ou ano dos alunos, município, perfil do professor da turma, o ambiente escolar (é um ambiente letrador?) e duração da atividade.

b. Competências e habilidades - quais as competências e habilidades que se espera desenvolver com essa atividade.

c. Desenvolvimento da atividade - como foi aplicada a atividade, passo a passo.

d. Avaliação: análise e reflexão sobre a atividade

    i. Avaliação do professor cursista – os objetivos planejados foram alcançados? Quais foram os pontos positivos e os que precisam ser aperfeiçoados de acordo com a visão do professor cursista.

    ii. Avaliação do Professor tutor – na sua opinião, os objetivos planejados pelo cursista foram alcançados? Quais foram os pontos positivos e os que precisam ser aperfeiçoados de acordo sua análise.

e. Sugestões do professor tutor para o professor cursista:

   i. A partir da sua avaliação, o que você planejaria ou modificaria para melhorar a atividade?

   ii. Cite outras atividades que foram estudadas por você que estão relacionadas com a atividade proposta pelo cursista.


II. Modalidade Escrita (Letramento Situado)

O registro da atividade deve ser entregue ao seu professor formador, no dia 16 de dezembro, em forma de Relatório. O texto deve conter todas as informações acima, mas de modo discursivo, não em tópicos.


Atividades Pendentes

A entrega de trabalhos do tutor ao professor formador deverá atender as condições descritas a seguir:

• Todas as atividades relativas aos encontros anteriores deverão ser enviadas ao professor formador até o dia 30 de outubro, impreterivelmente.

• Os trabalhos referentes ao fascículo 07 deverão ser entregues no seminário de avaliação. Nenhuma atividade será recebida após esta data.


Abraço grande,


Professoras Luzineth, Tatiana, Vanessa e Rosário.

quarta-feira, 25 de agosto de 2010

Era uma vez...

SPECIAL

Era uma vez...

Bons leitores literários estão atentos a novas e velhas histórias, conhecem gêneros e autores variados. Por isso, organizamos esta página especial, com mais de 100 contos, crônicas, poesias, lendas e fábulas ricamente ilustradas e publicadas em NOVA ESCOLA. Para ler sozinho, em família ou com seus alunos, em qualquer faixa etária. Boa leitura!

Metaplasmo

                                                                                         Origem: Wikipédia, a enciclopédia livre.

Metaplasmo, também designado por metaplasma por alguns autores, é o nome que se dá às alterações fonéticas que ocorrem em determinadas palavras ao longo da evolução de uma língua, o que ajuda a compreender a etimologia de muitas dessas palavras. O metaplasmo pode ocorrer pela adição, supressão ou modificação dos sons.

1- Adição de sons:

  • Prótese = acréscimo de fonema no início da palavra. Exemplo: latim vulgar stella, scutu > português "estrela", "escudo".
  • Epêntese = acréscimo de fonema no interior da palavra. Exemplo: latim vulgar stella, registu > português "estrela", "registro". No português brasileiro contemporâneo, ocorre uma particularização da epêntese, chamada anaptixe, que consiste em se desfazer um encontro consonantal pela intercalação de vogal: pneu, advogado > p(i)neu, ad(i)vogado ou adevogado.
  • Paragoge = acréscimo de fonema no final da palavra. Exemplo: latim ante > português "antes". Também ocorre nos casos de adaptação de estrangeirismos limitados posteriormente por consoante, como francês chic > português "chique", inglês lunch > português "lanche".

2-Supressão de sons

  • Aférese - supressão de fonema no início da palavra - Exemplo: latim vulgar acume > português "gume". Observe-se que a aférese só foi possível depois de outro metaplasmo, a sonorização, ter alterado o /k/ interno a /g/.
  • Síncope - supressão de fonema no meio da palavra - Exemplo: latim vulgar malu, opera > português "mau", "obra".
  • Apócope - supressão de fonema no fim da palavra - Exemplo: latim mare > português "mar".
  • Crase - fusão de duas vogais, desde que interna à palavra - Exemplo: português arcaico pee > português moderno "pé"
  • Haplologia - entre duas sílabas de mesma estrutura e contíguas, consiste na supressão da menos saliente - Exemplo: português medieval "bondadoso" > português moderno "bondoso". No português brasileiro contemporâneo falado, há vários dialetos em que se observam haplologias em palavras fonológicas: dente de leite > /dendjileitS/, perto de casa > /perdjikaza/.
  • Elisão (sinalefa) - fusão de vogais que limitam palavras adjacentes, tornando-as em um conjunto fonológico; verifica-se, por vezes, a atuação de metaplasmos secundários, como o deslocamento da sílaba tônica (q.v. 'Metaplasmos por transposição'). Exemplo: latim de ex de > português desde; português brasileiro contemporâneo falado '... o tempo inteiro... ' > "... o tempintero..."

 

3- Modificação de sons

a) Por transposição

Neste caso, a modificação é observada depois que um elemento fonético (segmental ou supra-segmental, como é o caso da posição tônica) é deslocado do lugar que ocupa originalmente na palavra.
  • Metátese - deslocamento interno à sílaba. Exemplo: latim pro > português "por". , semprer > "sempre", inter > "entre"
  • Hipértese - transposição de um fonema de uma sílaba para outra. Exemplo: latim capio > português "caibo", primariu > primairo > "primeiro", fenestra > feestra > "fresta".
  • Hiperbibasmo - em grego, relacionado ao verbo hyperbibázo, que compreende o deslocamento de fonema ou de acento; nas línguas modernas, abrange apenas a transposição de elementos supra-segmentais, dividindo-se, portanto, em sístole e diástole:
    • Diástole - avanço do acento tônico. Exemplos: límite > "limite", pônere > "ponere", tênebra > "tenebra".
    • Sístole - recuo do acento tônico. Exemplo: latim pantânu, eramus (paroxítonas) > português "pântano", "éramos", idólu > "ídolo".

b)Por transformação/ permuta

  • Apofonia: Mudança de timbre duma vogal por influência de outra (I,U)
  • Assimilação: 2 consoantes diferentes viram 2 iguais, por exemplo: rs - persona > "pessoa", st - nostro > "nosso", rs - persicu > "pêssego".
  • Dissimilação :  Diversificação ou queda de um fonema por já existir fonema igual ou semelhante na palavrae. Exs: calmellu> caramelo, aratru>arado, lobellu>globellu>novelo.
  • Consonantização: Transformação em uma consoante de uma (semi)vogal: iam > "já", Iesus > "Jesus", uita > "vida", iactum > "jeito"
  • Vocalização: nocte > "noite", regnu > "reino", multu > "muito"
  • Nasalização: passagem de um fonema oral a nasal: nec > "nem", bonu > "bom"
  • Desnasalização: luna > "lua", bona > boã > "boa", ponere > põer > poer > "pôr".
  • Monotongação: Transformação de um ditongo numa vogal simples
  • Ditongação: anu, ane, unt, adunt, anctu e one passam para ão.
  • Metafonia: Mudança de timbre duma vogal tónica por influência de outra
  • Palatização: tegula > "telha", folia > "folha", hodie > "hoje", pluvia > "chuva".
  • Sonorização: passa de surda para sonora. t > d, k > g, f > v, s > z, p > b. Exemplos: lupu > "lobo", matiru > "marido", populu > "povo".
  • Desvozeamento

Obtido em "http://pt.wikipedia.org/wiki/Metaplasmo" em 10 de agosto de 2010.

terça-feira, 27 de julho de 2010

Professores ensinam a ver!

A COMPLICADA ARTE DE VER

Rubens Alves

Ela entrou, deitou-se no divã e disse: "Acho que estou ficando louca". Eu fiquei em silêncio aguardando que ela me revelasse os sinais da sua loucura. "Um dos meus prazeres é cozinhar. Vou para a cozinha, corto as cebolas, os tomates, os pimentões - é uma alegria! Entretanto, faz uns dias, eu fui para a cozinha para fazer aquilo que já fizera centenas de vezes: cortar cebolas. Ato banal sem surpresas. Mas, cortada a cebola, eu olhei para ela e tive um susto. Percebi que nunca havia visto uma cebola. Aqueles anéis perfeitamente ajustados, a luz se refletindo neles: tive a impressão de estar vendo a rosácea de um vitral de catedral gótica. De repente, a cebola, de objeto a ser comido, se transformou em obra de arte para ser vista! E o pior é que o mesmo aconteceu quando cortei os tomates, os pimentões... Agora, tudo o que vejo me causa espanto."

Ela se calou, esperando o meu diagnóstico. Eu me levantei, fui à estante de livros e de lá retirei as "Odes Elementales" , de Pablo Neruda. Procurei a "Ode à Cebola" e lhe disse: "Essa perturbação ocular que a acometeu é comum entre os poetas. Veja o que Neruda disse de uma cebola igual àquela que lhe causou assombro: 'Rosa de água com escamas de cristal'. Não, você não está louca. Você ganhou olhos de poeta... Os poetas ensinam a ver".

Ver é muito complicado. Isso é estranho porque os olhos, de todos os órgãos dos sentidos, são os de mais fácil compreensão científica. A sua física é idêntica à física óptica de uma máquina fotográfica: o objeto do lado de fora aparece refletido do lado de dentro. Mas existe algo na visão que não pertence à física.

William Blake sabia disso e afirmou: "A árvore que o sábio vê não é a mesma árvore que o tolo vê". Sei disso por experiência própria. Quando vejo os ipês floridos, sinto-me como Moisés diante da sarça ardente: ali está uma epifania do sagrado. Mas uma mulher que vivia perto da minha casa decretou a morte de um ipê que florescia à frente de sua casa porque ele sujava o chão, dava muito trabalho para a sua vassoura. Seus olhos não viam a beleza. Só viam o lixo.

Adélia Prado disse: "Deus de vez em quando me tira a poesia. Olho para uma pedra e vejo uma pedra". Drummond viu uma pedra e não viu uma pedra. A pedra que ele viu virou poema.

Há muitas pessoas de visão perfeita que nada vêem. "Não é bastante não ser cego para ver as árvores e as flores. Não basta abrir a janela para ver os campos e os rios", escreveu Alberto Caeiro, heterônimo de Fernando Pessoa. O ato de ver não é coisa natural. Precisa ser aprendido. Nietzsche sabia disso e afirmou que a primeira tarefa da educação é ensinar a ver. O zen-budismo concorda, e toda a sua espiritualidade é uma busca da experiência chamada "satori", a abertura do "terceiro olho". Não sei se Cummings se inspirava no zen-budismo, mas o fato é que escreveu: "Agora os ouvidos dos meus ouvidos acordaram e agora os olhos dos meus olhos se abriram".

Há um poema no Novo Testamento que relata a caminhada de dois discípulos na companhia de Jesus ressuscitado. Mas eles não o reconheciam. Reconheceram-no subitamente: ao partir do pão, "seus olhos se abriram". Vinicius de Moraes adota o mesmo mote em "Operário em Construção": "De forma que, certo dia, à mesa ao cortar o pão, o operário foi tomado de uma súbita emoção, ao constatar assombrado que tudo naquela mesa - garrafa, prato, facão - era ele quem fazia. Ele, um humilde operário, um operário em construção".

A diferença se encontra no lugar onde os olhos são guardados. Se os olhos estão na caixa de ferramentas, eles são apenas ferramentas que usamos por sua função prática. Com eles vemos objetos, sinais luminosos, nomes de ruas - e ajustamos a nossa ação. O ver se subordina ao fazer. Isso é necessário. Mas é muito pobre. Os olhos não gozam... Mas, quando os olhos estão na caixa dos brinquedos, eles se transformam em órgãos de prazer: brincam com o que vêem, olham pelo prazer de olhar, querem fazer amor com o mundo.

Os olhos que moram na caixa de ferramentas são os olhos dos adultos. Os olhos que moram na caixa dos brinquedos, das crianças. Para ter olhos brincalhões, é preciso ter as crianças por nossas mestras. Alberto Caeiro disse haver aprendido a arte de ver com um menininho, Jesus Cristo fugido do céu, tornado outra vez criança, eternamente: "A mim, ensinou-me tudo. Ensinou-me a olhar para as coisas. Aponta-me todas as coisas que há nas flores. Mostra-me como as pedras são engraçadas quando a gente as têm na mão e olha devagar para elas".

Por isso - porque eu acho que a primeira função da educação é ensinar a ver - eu gostaria de sugerir que se criasse um novo tipo de professor, um professor que nada teria a ensinar, mas que se dedicaria a apontar os assombros que crescem nos desvãos da banalidade cotidiana. Como o Jesus menino do poema de Caeiro. Sua missão seria partejar "olhos vagabundos". ..

O texto acima foi extraído da seção "Sinapse", jornal "Folha de S.Paulo", versão on line, publicado em 26/10/2004

quinta-feira, 22 de julho de 2010

Um excelente texto sobre cultura, de Affonso Romano

A IGNORÂNCIA É CARA


(Postado por Affonso Romano, em 12/07/2010, às 11:04 h)

Três noticias no jornal me falam da mesma coisa de forma diferente.

A primeira, quase como se fosse uma revelação ou escândalo, informa que um colégio de subúrbio no Rio, lá na Penha, foi o melhor classificado entre todas as escola do estado. O detalhe é que não tem nada daquilo que caracteriza os grandes estabelecimentos de ensino. Ou seja, não tem prédios modernos, não tem quadra de esporte, nem mesmo um auditório. E, no entanto, a Escola Municipal João de Deus obteve a maior nota no IDEB (Indice de Desenvolvimento da Educação Básica).

Como explicar isto?

Simples. simplíssimo: a chave é a LEITURA. Diz a diretora Luciana Landrino: "Temos projeto de desenvolvimento pela leitura, desde a pré-escola até o quinto ano. Uma vez por semana, os alunos são obrigados a pegar dois livros de literatura para ler em casa". Outra invenção do colégio é a ênfase na redação: criaram o "Correio escolar". Os alunos devem escrever toda semana uma carta para um colega de classe e os textos são lidos em voz alta.

A segunda notícia veio na página de ciência de um jornal e informa que "O Brasil forma mais doutores em humanas" e que as ciências exatas e da Terra caíram para o segundo e sexto lugar entre as que mais geraram PhDs entre 1996 e 2008". A matéria começa por dizer que "o doutorando brasileiro está cada vez mais interessado em Machado de Assis e menos em relatividade". Li isto com interesse e quase espanto, logo eu que sendo leitor de Machado, cada vez me interesso mais pela relatividade.

Pois bem. A reportagem continua, mas exibe um mal entendido, quase um lamento pelo fato de as ciências humanas terem crescido mais que as exatas. Diz uma autoridade do CNPq que o país precisa de pessoas para o programa espacial, o programa antártico, a política nuclear, as questões que envolvem o clima, agricultura e pré-sal.

Concordo. Mas onde o mal entendido?

Uma coisa não elimina a outra. Está provado nas sociedades mais desenvolvidas que a formação em "humanas" e "sociais" aperfeiçoa a formação nas "exatas". Meu amigo Cláudio Moura Castro, que hoje está em Belo Horizonte e passou uns 30 anos no exterior lidando com a educação, tem dados irretorquíveis de que os engenheiros, economistas, biólogos, etc. melhoram muito quando têm uma formação humanista.

E aí entra a terceira noticia desta semana, que vem a favor de minha tese. Informa o correspondente Rodrigo Pinto, lá de Londres, que no Reino Unido ficou provado nos últimos 12 anos que a indústria cultural foi a que mais gerou empregos. O governo inglês chegou à conclusão de algo que estou repetindo há milhares de anos: de que a cultura é um setor "estratégico", que não tem nada a ver com o "supérfluo". Fizeram as contas e viram que o teatro, a música e outras áreas da cultura, além do que devem produzir, geram dinheiro e emprego.

Por isto, quando as pessoas ficam discutindo o pré-sal vendo nele o futuro do Brasil, eu costumo botar a questão de cabeça prá baixo e dizer: o verdadeiro pré-sal é a cultura.

Machado de Assis não é incompatível com a lei da relatividade.

O crescimento de doutores nas áreas de humanas e sociais deve ser visto como um progresso.

Até as crianças da escola João de Deus na Penha sabem disto.

De resto,é como já li em alguma parte: se você acha que a educação é cara, experimente a ignorância.

Meus caros: a ignorância, esta sim, é caríssima.


(*) Estado de Minas/Correio Braziliense - 10.07.2010